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Análise do livro A Pediatra, de Andrea Del Fuego

  • Foto do escritor: Carol Zanoni
    Carol Zanoni
  • 20 de jun.
  • 2 min de leitura
⚠️ Atenção: este texto contém spoilers. Se você ainda não leu o livro, talvez queira guardar para depois da leitura.
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Esta é a minha análise pessoal sobre A Pediatra, de Andrea Del Fuego — uma leitura que me impactou e me fez refletir bastante sobre vínculos, afeto, propósito e os bastidores emocionais que muitas vezes escondemos até de nós mesmos.


O romance A Pediatra quebra, logo de início, a expectativa de que uma pediatra será naturalmente uma figura amorosa e acolhedora, dedicada ao cuidado afetivo com crianças. Cecília, a protagonista, é o completo oposto dessa imagem: executa o trabalho com base em protocolos técnicos, encaminha casos mais complexos sem apego e mantém um distanciamento emocional que beira a frieza. Seu atendimento não é humanizado — é clínico, racional, quase automatizado.



Outro ponto interessante é o uso do fluxo de pensamento, que revela com precisão uma camada profunda da personagem. A autora, ao dar voz aos pensamentos de Cecília, permite que o leitor acesse um lado sombrio e crítico que. Cecília pensa com crueldade, crítica e sarcasmo — mas não age conforme esses pensamentos. É uma distinção importante: seus julgamentos duros são internos, não comportamentais. Isso humaniza sua frieza, revelando que ela, como qualquer pessoa, tem um mundo interno mais complexo do que suas ações sugerem.


Seu comportamento muitas vezes revela imaturidade emocional. A carreira foi escolhida pelo pai, a vida financeira está garantida, e, apesar de sua competência técnica, ela parece vagar sem propósito. A falta de direção e sentido transparece em sua relação afetiva — um caso frio, utilitário, onde ela se esquiva de envolvimento. Quando a empregada sinaliza a Cecília que talvez "ela vai deixar de ser servida" por estar grávida e ter problemas pessoais, ilustra bem a zona de conforto e o egoísmo de Cecília, mais preocupada com o próprio bem-estar do que com os vínculos ao redor.

Celso, o amante, também é uma peça importante no jogo de contradições do livro. Ele representa o típico hipócrita: veste a máscara do conservador moralista enquanto vive uma relação extraconjugal, mentirosa e tóxica. Sua presença reforça o ambiente disfuncional em que Cecília circula.


Mas tudo muda quando Cecília se conecta com Bruninho (filho de seu amante). A partir do nascimento da criança, algo nela se rompe — e sentimentos de afeto, ternura e necessidade de conexão vêm à tona como uma enxurrada, em um movimento desorganizado, obsessivo, quase infantil. É essa transformação que dá o ritmo ao desfecho do livro, em que a frieza da médica entra em conflito com uma carência afetiva profunda, ainda não reconhecida.


Alguns leitores podem ver Cecília como uma vilã — fria, egoísta, desumana. Mas talvez ela seja, na verdade, uma mulher marcada por esquemas desadaptativos como: abandono, privação emocional, exigência implacável e inibição emocional. Ela representa muitas pessoas que seguem carreiras sem vocação, vivem relações sem afeto e tentam controlar o mundo externo para não enfrentar o vazio interno.

📖 Recomendo a leitura do livro!

A Pediatra é uma obra instigante, que provoca desconforto e reflexão. Uma leitura ácida, corajosa e profundamente humana. Se você gosta de mergulhar em personagens complexos e desconstruir estereótipos, vale muito a pena.

Referência do livro:

DEL FUEGO, Andrea. A Pediatra. São Paulo: Companhia das Letras, 2021. 160 páginas.

ISBN: 978-65-86021-66-5

 
 
 

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